segunda-feira, 28 de julho de 2008

Trilho da Brandas. Emoções fortes

Foi em Julho deste ano. Nunca pensei que o tempo fosse piorar tanto quando comecei a subida para a Branda de Gorbelas. Até aí a visibilidade não me atraiçoou. Dava para ver as montanhas à minha volta. Era só aquela chuva miudinha chata. Ainda conversei com duas senhoras cá em baixo na Gavieira, a Inverneira, ou seja o local de residência permanente desta comunidade pastoril, que quiseram saber o que ia eu fazer lá cima, sózinho com aquele tempo: "Com o nevoeiro aquilo é como se fosse noite". Exageros populares pensei eu...

Chegado à Branda de Gorbelas, a branda de cultivo ou "veranda", só estes dois simpáticos habitantes a me darem as boas-vindas. E umas vacas perto dos currais a mungir desesperadamente para que viesse alguém abrir-lhes a porta, pois já estavam fartas da chuva e do frio apesar de estarmos em pleno Verão.
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Os bancos de nevoeiro e chuva que desciam da montanha, conferiam a este ambiente, onde o homem só se atreve a viver no Verão para por o gado a pastar, logo tão natural como agreste e onde o assunto do dia são os lobos e não o futebol, uma dimensão fantástica que exerce sobre mim um fascínio e atracção, inexplicáveis.

Olhando para cima da Branda de Gorbelas, dava para ver que o tempo não ia melhorar. Mas eu já levava quase uma hora e meia nas pernas, não ia desistir agora. Além do mais, no meu mapa dizia que até lá cima era caminho carreteiro. Não havia como me perder. Grosso engano...
O trilho no nevoeiro, pareciam dezenas de trilhos. Era difícil dar com as marcas. Era um verdadeiro alívio encontrá-las. A dada altura aproximei-me demais de uma colocada bem alta num penedo para ficar acima do tojo e perdi-me de vez.

Em cima deste penedo, na escarpa que dá para um vale fundo, onde o rio Vez é só um fio de água, decidi voltar para baixo. Como dá para entender a visibilidade era nenhuma. Já estava feliz por ter chegado aqui e inteiro. Ia descer. 

Porém, numa última olhadela para cima enquanto o nevoeiro abre só um bocadinho, lá encontro o carreteiro e a marca. Agora chego lá cima!

Mal sabia o que ainda tinha para andar e sempre a subir. O caminho todo molhado, de progressão difícil e lenta. Mas depois do carreteiro, até Poulo da Seida, é só seguir um muro de pedra solta. Pelo menos sabia que esse muro seria o meu guia para baixo.
Só me apercebi de estar na branda de gado de Poulo da Seida quando me aproximei aos poucos metros destes abrigos de pastores que hoje sei que se chamam cortelhos. São às dezenas. Cada um com o seu pequeno curral de pedra solta também. 
Ficam num planalto, onde há várias "minas" de água fesca. São as nascentes do rio Vez. Do lado esquerdo fica o fojo do lobo, mas que desta vez, não conseguia ver, nem sequer lá chegar pelas marcas.


Perceber o topo do Poulo da Seida, ditou também o final da minha subida. Sabia que faltava chegar ao fojo do lobo e que devia estar ali perto, mas não encontrava as marcas. Resolvi procurar um dos cortelhos para trocar as meias molhadas por umas secas e tentar descer com mais algum conforto.

Descalço, começo a ouvir uns urros mal dispostos. Só tive tempo de calçar as botas à pressa e desviar-me deste touro cachena mal-disposto.
Resultado, enfiei-me na turfa até aos joelhos e a descida foram três horas com os pés elameados. Nada de grave. Pior foi descer cada uma daquelas pedras molhadas e escorregadias. Várias vezes optei por por o rabo no chão para não mandar um tombo. Nestes caminhos, para mim as descidas são mais difíceis que as subidas.

Já na descida e ao longo do tal muro de pedra solta que me guiou até ao carreteiro, o nevoeiro abriu só um pouco e deu para perceber que estava no meio de uma manada de gado cachena. É próximo ao Barrosão, mas mais elegante.

Passado duas semanas, voltei com uma amiga. Queria entender o que o mau tempo não me tinha deixado ver.

Branda de Poulo da Seida. O pasto, com os cortelhos e as minas onde nasce o Vez.

Mesmo lá em cima, a manada com os garranos mais bonitos que já vi.

O tal fojo do lobo. Imaginem as batidas, onde os pobres animais acabavam num buraco cá em baixo. Felizmente, hoje é só um monumento a essa eterna rivalidade pela sobrevivência de duas espécies, neste ambiente tão difícil e fantástico.
Todos os anos, o lobo ainda vai levando umas poucas rezes. Os pastores daqui queixam-se que o PNPG demora tempo demais a indemnizá-los. Falam em até dois anos.

O muro de pedra solta que no mau tempo me guiou entre o carreteiro de Gorbelas até Poulo da Seida.
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A Branda de Gorbelas, vista cá de cima, com o feno acabado de ser cortado e o maciço da Peneda ao fundo (perdoem-me as fotos, não estão grande coisa).
Arte popular na Branda de Gorbelas.
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Ficaram a faltar as imagens de algumas das maiores mariolas que já vi, a sul do Fojo do Lobo. Serviriam provavelmente, para guiar os pastores, no mau tempo, fosse nas batidas ao lobo ou na condução do gado entre as várias brandas da Peneda.
No próximo Verão, vou ver se arranjo companhia, para começar o percurso em Gorbelas, em vez de ser na Gavieira, acrescentando o caminho das mariolas, que chegam a 2 e 3 metros cada uma, feitas de pedra miúda.

Quero agradecer aos autores do texto "Pastoreio livre no Norte de Portugal". São eles Adelino Gouveia, José Vieira Leite e Rui Dantas. Desde que subi até à Branda de Poulo da Seida, que pergunto e pesquiso sobre o funcionamento destas comunidades e que os cortelhos me intrigam. Nem que fosse mais sintetizada, era este o tipo de informação interessante que eu gostaria de ver impresso nas centenas de quilos de papel produzidas anualmente pelas autarquias, turismo, icnb, associações de desenvolvimento regional, e demais organizações envolvidas na promoção desta área. Algum com interesse questionável. Aos  autores, muito obrigado. 
O texto completo está disponível nesta página da SPER. Procure por "Pastoreio livre no Norte de Portugal.

Até breve!

Manel

PS - Pedestrianismo não deve ser uma actividade solitária, muito menos nestas condições. Diminuo o risco, avisando amigos onde deixo o carro e o que vou fazer. Mas nestes lugares é comum os telemóveis não terem rede e a probabilidade de acidentes é real.
Quando me der para fazer outra destas, no mínimo vou ver se arranjo um ou dois companheiros que partilhem comigo o entusiasmo de andar no mau tempo. Não vai ser fácil, mas nos States, há tolos que se metem no meio dos furacões...

PPS - Se gostou deste tópico, veja também o Vale Glaciar do Vez.